segunda-feira, 13 de abril de 2009

Para quem por aqui passa



Para quem por aqui passa, mesmo em frente ao nosso olhar, às vezes queríamos acordar e gritar: Entre!
Para quem por nós passa, sempre com pressa, gostaríamos de acenar e dizer: olha para mim, estou aqui!
Para quem passa, lá em baixo, na estrada, de um lado para o outro, num frenesim que já não nos incomoda, talvez tentássemos explicar que, nós, aqui, temos esse tempo que perseguem.
Nós, aqui, temos braços especializados em abraçar, sem pressas, e... mil beijos a saltar-nos da boca, sorrisos às vezes cheios de rugas e tão vazios de afectos.
Nós, aqui, os que vos olhamos de longe, temos disponíveis os dias para vos ouvir e temos tanto, mas tanto para vos ensinar! Às vezes, é verdade, percebemos as coisas ao contrário e custa-nos perceber porque não param para nos ouvir...
Nós, aqui, somos bem cuidados, acarinhados e protegidos. Mas faltam-nos vocês. Sim, vocês que andam, passam e correm pela nossa porta. Falta-nos a vossa visita um pouco mais demorada e o calor da vossa mão.Nós, que aqui passamos as horas, trocaríamos algumas delas pela vossa pressa. E, neste preciso momento já estamos a trocar esse vosso sorriso por um dos nossos, querem ver?
Estas poderiam ser algumas das palavras que andam às voltas na cabeça das pessoas que são recebidas, diariamente, no Centro de Dia do Milharado.
Digo que poderiam ser, porque já conheço algumas dessas pessoas e sinto o quanto vale o pouco tempo das minhas visitas, ultimamente, tão apressadas! E que gostam de me ver chegar, tantas vezes, apenas pelo humilde sorriso que levo comigo.
Sei da solidão em que dormitam ao Sol, não apenas porque aquele calor natural sabe bem quando lhes toca dali, daquela porta, mas porque tantas vezes sabe, muito melhor, que o olhar desviado de quem passa sem os ver.
Muitos de nós diremos que não conhecemos ninguém que ali passe os dias, mas a verdade é que cada um deles é já um pouco de nós num futuro não muito longe. E, se pensarmos acarinhar desde já o nosso amanhã, talvez consigamos entender algumas das vidas que dormitam, observam ou se escondem naqueles sofás. Ou talvez entendamos a frustração dos que teimam contra as suas limitações para não se deixar dormir.
Apesar do tom triste desta crónica a verdade é que o Centro de Dia do Milharado não é feito, apenas, de momentos mais resignados, como às vezes temos tendência a pensar. Não! Para cá desta porta à um mundo fantástico à espera de ser partilhado. Vários mundos à vossa espera.Para cá desta porta cheira a chá e a torradas, nas tardes frias de Inverno. Aqui à hora do almoço podemos fechar os olhos e fazer uma viagem à nossa infância, só com o que nos entra pelo nariz! E se formos "acordados" desta viagem à nossa infância é porque alguém nos está a perguntar se queremos almoçar por cá.
Para cá desta porta há uma sala onde uma grande lareira aquece os pés, alguns muito frios, de estarem tão parados. Essa mesma lenha também aquece um bebé, criança imaginária, que às vezes embala os que se perderam um dia em doenças menos simpáticas e que por cá vai "crescendo" connosco, no seu silêncio.
Se continuarmos a andar para cá desta porta seguimos para uma outra sala onde uma televisão nos preenche tantas tardes e que também serve de ponto de partida a tantas das nossas críticas. Nesta sala há janelas grandes que permitem ver quem passa lá fora e ouvir os miúdos quando saem ao recreio da escola que fica em frente à porta...
Do lado de cá desta porta há muitos mundos encantadores. Uns cativam pela beleza ingénua outros pela dureza das muralhas que pedra a pedra se tentam derrubar...
Deste lado estamos todos nós que por aqui passamos e, para os que nos estão a ler fica o convite: façam favor de entrar.
Cá dentro ouvimos notícias que falam de iniciativas, da realização de trabalhos de pintura, de exposições de fotografia...
Ouvimos que talvez nos venham visitar, tomar um café connosco, receber o nosso lamento...
Por isso e porque continuaremos aqui deixamos, novamente, o apelo: venham!
Quando ouvirem falar de nós entrem pela porta grande! Quando duvidarem, entrem, e perceberão que estamos aqui, completamente disponíveis, para vos receber.
Abril, Centro de Dia do Milharado

2 comentários:

  1. tb participo num outro Centro Comunitário , aliás em dois : um aqui na zona de Sintra , outro numa pequena aldeia do interior do pais...onde há se festejaram os noventa anos de uma utenta q por sinal era a professora daaldeia !

    É gratificante, muito trabalhoso mas enche-nos de bem estar...

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  2. Bom Dia Isabel!

    Bem Haja pelas palavras que deixaste no Papalagui!

    Quanto a experiência nos Centros de Dia, acredita que por mais rápidas que possam ser as nossas visitas elal fazem, efectivamente toda a diferença, para quem lá está.

    Resistir,Insistir e nunca desistir!

    Nuno Marçal
    Bibliotecário-Ambulante

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